Rosângela Trajano

Nasce uma estrela sempre que se escreve uma poesia

Textos


O meu cajueiro

Rosângela Trajano

Ah! O meu cajueiro era bonito demais! O seu grosso tronco que eu nunca consegui abraçar por completo, os seus galhos finos que se espalhavam pelos quintais dos vizinhos subindo e descendo feito ondas do mar, as suas folhas secas que caíam no outono e nos finais de tarde e, principalmente, os seus cajus amarelos que eu chupava até encher o bucho. O meu cajueiro muitas vezes ofereceu-me café da manhã, almoço e jantar. Eu costumava chupar os cajus com farinha de mandioca.
Aquele enorme cajueiro foi o meu melhor amigo na infância. Sempre tive dificuldades de me relacionar com as pessoas. Não sei o que tenho em mim, penso que talvez medo de que me magoem, não sei, a única coisa que lembro é que aquele cajueiro bonito e frondoso era o meu confidente maior, conhecia todos os meus segredos de menina assustada e tímida diante da vida. Ele sabia que eu não gostava de dormir no escuro, que gostava de chupar o dedão da mão direita às escondidas apesar de já ter mais de dez anos de idade, que tinha medo de bicho papão e que não sabia para onde o meu pai tinha ido. O meu cajueiro foi o meu primeiro amigo. Eu sentia que ele falava comigo, pois quando lhe contava algo, logo balançava os seus galhos em sinal de sim ou não.
Do meu belo cajueiro não guardo nenhuma foto, apenas desenhos que fiz ao longo dos anos depois que ele morreu. Os cupins comeram seu tronco aos poucos, destruindo o meu amigo por dentro, tipo um câncer que vai comendo o ser humano. Na minha pequena idade não sabia o que fazer com aqueles cupins horrorosos, às vezes ficava puxando um a um com as mãos e jogando no meio do vento para irem pra bem longe do meu cajueiro, mas eram tantos, meu Deus! Eu não dava conta deles! De repente, meu cajueiro perdeu o seu sorriso belo assim como quem sente dor profunda e dorme para não sofrer tanto. Assim era o meu cajueiro.
Eu e meus irmãos brincávamos embaixo do meu cajueiro. A gente fez um balanço de madeira onde eu passava as tardes me balançando e cantando para o meu cajueiro. A gente se deixa levar um pouco pelo amor quando é criança, fica pensando que ele é para sempre, apesar de eu não saber para onde tinha ido o meu pai. O meu cajueiro gostava de abraços e cócegas. Quando eu queria vê-lo sorrindo coçava o seu tronco e ele morria de rir com isso. Há cajueiros que falam aos ouvidos das crianças coisas que só elas entendem, o meu sempre me contava histórias de fadas, dragões e príncipes.
Fiquei uma mocinha e descobri que estava apaixonada pelo meu melhor amigo, e roubei um beijo dele no meio de uma noite primaveril. O cajueiro ficou morto de vergonha. Ele foi o meu primeiro namorado, eu tinha vontade de saber que gosto tinha um beijo de boca. As meninas da minha escola todas já tinham beijado na boca, menos eu. Então, decidi roubar um beijo de quem eu mais amava na vida. O cajueiro fechou seus galhos e sorriu do meu gesto bobo. Eu tinha que beijar um menino de verdade, disse ele.
Um dia, cheguei da escola e o meu cajueiro não estava mais no seu lugar. Havia um buraco no seu canto. Foi a maior dor que senti na minha vida. Mamãe disse que o cajueiro tinha caído, pois os cupins o comeram todo por dentro e que achou melhor derrubá-lo. Eu chorei escondida naquele início de tarde até me cansar. Um choro para dentro porque se me pegassem chorando iam dizer que eu não tinha motivos para choro. Foi assim que morreu o meu cajueiro. Não sei se de morte matada ou morte natural. Só sei que ele se foi e eu não me despedi. Para onde foi meu pai? O cajueiro nunca me respondeu, acho que ele não sabia a resposta.
Rosângela Trajano
Enviado por Rosângela Trajano em 13/10/2019


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras