Rosângela Trajano

Nasce uma estrela sempre que se escreve uma poesia

Textos

Seu Hildemar
Ele morava na minha rua. Consertava geladeira, pintava fogão, reformava estofados e deixava tudo bonito de novo. Era um homem paciente, falava pouco, gordinho, baixinho, meio careca, mas muito amigo. Quem precisasse da ajuda de seu Hildemar podia contar com ele. Eu mesma precisei muitas vezes das suas chaves de fendas. Ele sabia reformar um estofado que dava gosto, ficava tão novinho que parecia ter saído da fábrica.

O primeiro emprego dos meus irmãos Bero e Beto foi em seu Hildemar. Eles ajudavam-no a colocar um fogão pra lá, uma cadeira pra cá, uma geladeira ali etc. Seu Hildemar tinha o passinho apressado e gostava de sentar-se à calçada da sua casa à tardinha. Era um bom homem. Vivia do seu pequeno negócio. Era honesto com os seus clientes e procurava cumprir o prazo marcado. Dava duro para ganhar o pão de cada dia. Seu Hildemar entendia tudo de motor de geladeira, sabia desmontar e montar um fogão em questão de minutos e de estampas de estofados ele entendia como ninguém. Quando o cliente tinha dúvida lá estava ele com o seu mostruário.

Meus irmãos ajudavam seu Hildemar. Coloca a geladeira em cima do carro, tira a geladeira de cima do carro, leva o estofado pra dentro, coloca o estofado pra fora. Passa o parafuso pequeno, passa o parafuso grande, pinta aquela geladeira, vai comprar essa rosca, era assim que pedia seu Hildemar. Foi um bom patrão. Pagou sempre o salário dos meus irmãos direitinho. E os meninos ficavam todos os dias, de manhã bem cedo, sentados em cima do muro da sua casa esperando ele acordar para começar o trabalho. Seu Hildemar consertou muitas geladeiras, reformou muitos estofados, pintou muitos fogões.

Quando chegava dezembro sua casa ficava cheia de estofados para reformar. Nessa época ele ganhava um bom dinheiro. Mas também trabalhava muito. Era tanto troço velho que a casa de Seu Hildemar não tinha mais espaço para nada. A oficina era na frente da casa, dentro de casa e nos fundos da casa. Também atendia em domicílio. Não gostava de dizer não a ninguém, mas no natal não tinha jeito as encomendas eram tantas que mesmo contratando mais ajudantes ele não conseguia dá conta de tanta reforma em estofados. Até na calçada da sua casa tinha estofados velhos, geladeiras e fogões esperando consertos.

Um dia seu Hildemar sentiu uma forte dor no peito, foi para o hospital, mas os médicos não puderam fazer nada por ele. Morreu em poucas horas. Depois que ele partiu a sua oficina acabou. Seu Hildemar deixou muitas saudades. Até hoje preciso das suas chaves de fendas, mas elas também estão se acabando. É, meu amigo, tudo parte, tudo se acaba, ficam tão-somente as lembranças. Descanse em paz.
Rosângela Trajano
Enviado por Rosângela Trajano em 13/10/2019


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