Rosângela Trajano

Nasce uma estrela sempre que se escreve uma poesia

Textos

Dona Chiquinha e Seu Tenente
Toda hora tinha gente conversando no pé de pau de Seu Tenente. Na casa de Dona Chiquinha todo mundo entrava e saía a qualquer hora, a qualquer dia. Eita, casal maravilhoso! Eita, gente boa! Eita, gente que não se esquece!

Seu Tenente fazia jogo do bicho e vendia mungunzá. E quando alguém sonhava com um bicho corria para fazer o jogo com Seu Tenente. Dona Chiquinha ajudava a fazer aquele mungunzá gostoso que só eles sabiam a receita. Eram dois caldeirões bem grandes que Seu Tenente levava nas costas andando pelas ruas do bairro vendendo seu mungunzá. E todo mundo comprava, todo mundo gostava, todo mundo queria experimentar aquele mungunzá que dava uma energia danada e levantava a moral.

Quem sentisse fome podia ir comer na casa daqueles dois. Eles não tinham muito, mas o que tinham dividiam com todos. Na hora da novela a casa de Dona Chiquinha e Seu Tenente ficava cheia de gente, espalhada pelo chão, sentada nos tamboretes de madeira, em pé, na janela, na porta, todo mundo queria ter seu lugar garantido para não perder uma parte sequer da novela. Seu Tenente se sentava na sua cadeira de balanço, Dona Chiquinha ficava pra lá e pra cá e quando fazia o comercial ela corria à cozinha para fazer aquele cafezinho especial que só ela sabia fazer.

Embaixo do pé de pau do Seu Tenente sabia-se de tudo. Desde o desaparecimento do cachorro da vizinha até a separação do casal da rua ao lado. A garotada também tinha a sua vez. E o espaço era dividido com todos. Os meninos brincando de biroscas, as meninas pulando corda e a mulherada fofocando enquanto os homens falavam do jogo do ABC, do América e do Alecrim. Lá embaixo do pé de pau do Seu Tenente o povo da minha rua fazia a festa, era a hora do descanso, a hora da diversão, onde todos paravam ao voltar do trabalho.

Aí chegou a hora de Seu Tenente partir. Deixando Dona Chiquinha sozinha. Aquele velhinho de cabelos bem branquinhos, olhos azuis, magrinho e bonzinho se despediu de todos nós naquele dia chuvoso. Passados alguns dias Dona Chiquinha talvez não agüentando a saudade partiu, também. Ficou um vazio. O pé de pau ficou sem ninguém. A rua ficou em silêncio. Aquele casal tão especial nos deixou de uma vez por todas. Dizem que Dona Chiquinha morreu de tanto fumar, mas eu não acredito, eu acho que ela morreu de saudades, saudades de Seu Tenente.
Rosângela Trajano
Enviado por Rosângela Trajano em 13/10/2019


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras