Rosângela Trajano

Nasce uma estrela sempre que se escreve uma poesia

Textos


A menina que sonhava ser princesa

Era uma menina negra com os cabelos crespos que preenchiam toda a sua cabecinha. Daquelas meninas que são belas por natureza.
Gostava de conversar com as estrelas, desejava passar embaixo do arco-íris só para ver o que acontecia e tinha curiosidade para saber se tinha ou não um coelhinho na lua como dizia a vovó.
Como toda menina sonhava em ser princesa, mas logo alguém chato lhe dizia
- Não há princesas negras!
E ela ficava em silêncio, recolhia-se ao seu mundo interior onde pessoas chatas não entravam e ela podia ser o que quisesse.
Certo dia, na escola a cabeça começou a coçar. Coçava muito. Coçava por demais. A professora, curiosa, foi olhar que coceira era aquela e tomou um susto tremendo
- Piolhos! Você está com piolhos!
A menina começou a chorar. Não sabia o que era um piolho e quando viu o bichinho na sua blusa branca ficou assustada
- Será que eles vão me engolir?, perguntou se tremendo.
O pior não foi descobrir que tinha piolhos na cabeça, mas a reação da professora que afastou todos os amiguinhos de perto dela. Ficou sozinha no canto da sala. Tinham medo dos piolhos pularem ou voarem para as suas cabecinhas.
Naquele dia e nos que se seguiram não pôde brincar com ninguém no recreio.
- Também um cabelo pixaim grande desse jeito só dá nisso, disse a professora.
A mamãe foi chamada à escola e envergonhada levou a filha para casa. A direção decidiu que ela só voltaria a estudar depois que desse um jeito naqueles piolhos.
Em casa, a menina chorou muito. A mãe não via outra solução senão cortar seu lindo cabelo crespo.
Nos primeiros dias, a mãe catou os piolhos da sua cabeça, mas era cansativo e difícil de achá-los porque o cabelo da menina era muito
- Só cortando, filha! Os piolhos estão escondidos! E são muitos! 
A menina pensou que além de ser chamada de "negrinha" agora todos a chamariam de "piolhenta". Como era triste aquela vida e quis morrer pulando de cima da mesa.
Bem que tentou, mas não conseguiu. Era baixo demais. Morrer não era a solução falou o pai. O médico saberia o que fazer.
No dia seguinte, foram ao posto de saúde do bairro e conversaram com o médico que riu muito da história da menina
- Por que está rindo de mim, doutor?
- Toda criança tem piolho! Não fique triste!
A menina abriu um leve sorriso quando ele disse aquilo
- Essas coisas nascem e desaparecem com o tempo. É só tratar deles direitinho. Vou passar um bom sabonete para você lavar a cabeça.
- Como nascem se não uso nem pente?
- Há crianças que têm essas infecções. É uma doença isso. Não se preocupe! Vou cuidar de você.
A menina saiu do posto de saúde acompanhada da sua mãe com a receita médica toda sorridente e feliz com aquele médico bonzinho. Passaram na farmácia e compraram o sabonete.
Assim que chegaram em casa ela tomou um belo banho e lavou os cabelos bem lavados.
Todos os dias a menina lavava bem os cabelos. Os piolhos começaram a cair mortos na sua blusa. Ficou contente. Com uns dias não havia mais piolho nenhum.
Era hora de voltar à escola, mas não a mesma. Seria uma nova escola onde prometeram meninas negras não são oprimidas mesmo que tenham piolhos.
Na nova escola, a menina passou a ser chamada de princesa e pôde até ser a princesa da quadrilha junina com direito a faixa e tudo o mais.
Como é bom a gente ser tratada com amor e respeito, pensou a menina já quase fechando os olhinhos para dormir. 

 
Rosângela Trajano
Enviado por Rosângela Trajano em 13/08/2020
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